quinta-feira, 30 de junho de 2016

Extrato de fontes - feudalismo


UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

HISTÓRIA MEDIEVAL

Prof. Edmar Checon de Freitas


FEUDALISMO

Homenagem, juramento e investidura.

E aí veio então Tassilon, duque da Baviera, recomendando-se em vassalagem pelas mãos; prestou numerosos juramentos, inumeráveis, pondo a mão sobre as relíquias dos santos, e prometeu fidelidade ao rei Pepino e a seus filhos já referidos, Senhores Carlos e Carlomano, tal como um vassalo de espírito reto e dedicação firme, por direito, deve ser para com os seus senhores.

(Annales Regni Francorum, apud GANSHOF, 1976, p.46; texto de 757).

Em primeiro lugar, prestaram homenagem da maneira seguinte: o conde perguntou ao futuro vassalo se queria tornar-se seu homem, sem reserva, e este respondeu: “quero”; depois, estando as suas mãos apertadas pelas do conde, aliaram-se por um beijo. Em segundo lugar, aquele que havia prestado homenagem fez compromisso da sua fidelidade ao porta-voz do conde, nestes termos: “Prometo, pela minha fé, ser, a partir deste instante, fiel ao conde Guilherme e guardar-lhe, contra todos e inteiramente, a minha homenagem, de boa-fé e sem dolo”; em terceiro lugar jurou o mesmo sobre as relíquias dos santos [...] em seguida, com a vara que tinha na mão, o conde deu investidura a todos aqueles que acabavam de lhe prestar homenagem, de lhe prometer fidelidade e também de lhe prestar juramento

(GALBERT DE BRUGES apud GANSHOF, 1976, p.98 e 167; texto de 1127).

[...] ele [Cunz Fafe de Griffenstein] requereu a investidura de um feudo do senhor Eginon, conde de Eppan, a efetuar por este em seu favor, feudo esse que o falecido senhor Morhad tinha recebido do senhor Eginon e, antes dele, do senhor Ulric, e estendeu-lhe as mãos, declarando-se pronto a prestar-lhe homenagem.

(LORSCH; SCHROEDER; PERELS apud GANSHOF, 1976, p.181; texto de 1237).1


O que é feudo,onde tomou esse nome e quais são suas características.
Feudo é o benefício dado pelo senhor a algum homem porque se tornou seu vassalo e lhe fez homenagem de ser-lhe leal, tomou este nome da fé que deve o vassalo guardar ao senhor. São duas as formas de feudo: uma é a outorga, uma vila, ou castelo, ou outra coisa que se constitua um bem de raiz e este feudo não pode ser tomado do vassalo a não ser se falecer o senhor com o qual tratou ou se fizer algum erro pelo qual o deva perder [...]. Outra maneira é o chamado feudo de câmara: este se faz quando o rei doa maravedis a algum vassalo seu, todo ano em sua câmara, e este feudo tal pode o rei cancelar quando quiser.2

(Afonso X, o Sábio, Las Siete Partidas, IV.26.1 apud PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p.97-98; séc.XIII)3
De que maneira se deve dar e receber o feudo.
Podem os senhores outorgar e dar o feudo aos vassalos desta maneira: ficando o vassalo de joelhos ante o senhor, deve colocar suas mãos entre as do senhor e prometer-lhe, jurando e fazendo pleito e homenagem que será sempre leal e verdadeiro e que dará bom conselho a cada um que o zelo ordenar e que não contará seus segredos e que ajudará contra todos os homens do mundo a seu poder e que evitará seu dano e guardará e cumprirá todas as posturas que com ele contratou por conta daquele feudo. E depois que o vassalo houver jurado e prometido todas essas coisas, o senhor deve investi-lo com um anel, ou com luva, ou com vara, ou com outra coisa daquele que dá ou colocar-lhe a possessão dele por si ou por homem certo a quem o mandasse fazer.

(Afonso X, o Sábio, Las Siete Partidas, IV.26.4 apud PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p.97.)

Os deveres do senhor e do vassalo

Uma vez que Deus e Bernardo, teu pai, te escolheram para servires Carlos [o Calvo], a quem tens por senhor, na flor da tua juventude, sustenta o que é da tua raça, ilustre pelos dois ramos. Não sirvas de maneira a agradar somente pela vista ao teu senhor, mas conserva-lhe, em tudo, com todo o senso, uma fidelidade intacta e certa de corpo e espírito [...] É por isso, meu filho, que eu te exorto a que mantenhas fielmente de corpo e alma, durante toda a tua vida, aquilo cujo encargo tens [...] Que nunca possas ser acusado da loucura da infidelidade; que nunca o mal crie raízes no teu coração a ponto de te tornares infiel ao teu senhor, seja no que for. [...] Portanto, que tu, meu filho Gulherme, [...] sejas para com o teu senhor, como te disse, sincero, vigilante, útil e o mais pronto ao seu serviço; [...].

(Manual de Dhuoda, apud GANSHOF, 1976, p.53; texto de 843).

Aquele que jura fidelidade ao seu senhor deve ter sempre presente na memória estas seis palavras: incólume, seguro, honesto, útil, fácil e possível. Incólume, na medida em que não deve causar prejuízos corpóreos ao seu senhor; seguro, para que não traia os seus segredos ou as armas pelas quais ele se possa manter em segurança; honesto, para que não enfraqueça os seus direitos de justiça ou de outras matérias que pertençam a sua honra; útil, para que não cause prejuízo às suas possessões; fácil ou possível, visto que não deverá tornar difícil ao seu senhor o bem que ele poderia fazer, nem tornar impossível o que para ele seria possível.
Todavia, se é justo que o [vassalo] fiel evite estas injúrias, não será por isso só que merece benefício; porque não é suficiente abster-se do mal, a menos que faça também o que é bom. Portanto, deverá em adição conceder fielmente conselho e ajuda ao seu senhor nas seis coisas acima mencionadas, se deseja ser considerado merecedor do seu benefício e digno de confiança na fidelidade que jurou.
O senhor deve também retribuir da mesma maneira todas estas coisas ao seu fiel. Se o não fizer, será com razão acusado de má fé, exatamente como seria [considerado] pérfido e perjuro [o vassalo] apanhado a fazer ou consentir tais prevaricações.

(GUILHERME DE CHARTRES, Carta a Guilherme V, Duque da Aquitânia apud PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p.94-95; texto de 1020).

É permitido a qualquer, sem punição, auxiliar o seu senhor, se alguém o ataca, e obedecer-lhe em todos os casos legítimos, exceto no roubo, no assassinato e naquelas coisas que não são consentidas a ninguém, sendo reconhecidas como infames pelas leis.
O senhor deve proceder da mesma maneira com o conselho e a ajuda; e deve ir em auxílio do seu homem em todas as vicissitudes, sem malícia.
É permitido a todo senhor convocar o seu homem, que deve estar à sua direita no tribunal; [...]
Se um homem está ligado a vários senhores e honras, não obstante o muito que depende dos outros, deve mais e estará sujeito à justiça daquele de quem é o homem lígio.

(Legislação de Henrique I, Inglaterra, apud PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p.95; século XI).

Os trabalhadores

Ao magnífico senhor ........ , eu ........ Dado que é inteiramente conhecido de todos que eu não tenho com que me sustentar nem com que me vestir, solicitei à vossa piedade — e a vossa piedade concedeu-mo — poder entregar-me ou recomendar-me na vossa maimbour; o que fiz: pelo que, deste modo, devereis vós ajudar-me e auxiliar-me tanto quanto ao sustento como quanto ao vestir, na medida em que eu puder servir-vos e merecer-vos. E enquanto eu viver vos deverei servir e respeitar como o pode fazer um homem livre e em todo o tempo em que viver não terei poder para me subtrair ao vosso poder ou maimbour; mas, pelo contrário, deverei ficar todos os dias da minha vida sob o vosso poder ou proteção. Em conseqüência destes fatos, ficou convencionado que, se um de nós quisesse subtrair-se a estas convenções, seria obrigado a pagar a seu co-contratante a quantia ...... em soldos, ficando em vigor a convenção. Pelo que pareceu bom que as partes fizessem redigir e confirmar dois diplomas do mesmo teor; o que fizeram.

(Formulae Turonenses, n.43, apud GANSHOF, 1976, p.19; texto do séc. VIII).4

Eu, Berterio, coloquei a corda em meu pescoço e me entreguei sob o poder de Alariado e de sua esposa Ermengarda para que desde este dia façais de mim e de minha descendência o que quiserdes, os vossos herdeiros o mesmo que vós, podendo guardar-me, vender-me, dar-me a outros ou manumitir-me, e se eu quiser subtrair-me a vosso serviço podeis deter-me vós mesmos ou vossos enviados, do mesmo modo como o faríeis com vossos restantes escravos originais.

(Recueil des chartes de l’abbey de Cluny apud PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p.105 ; séc.X)

Walafredus, um colonus e mordomo, e a sua mullher, uma colona [...] homens de St. Germain, têm 2 filhos [...] Ele detém 2 mansos livres com 7 bunuaria de terra arável, 6 acres de vinha e 4 de prados. Deve por cada manso uma vaca num ano, um porco no seguinte, 4 denários pelo direito de utilizar a madeira, 2 modios de vinho pelo direito de usar as pastagens e uma ovelha e um cordeiro. Ele lavra 4 varas para um cereal de Inverno e 2 varas para um cereal de Primavera. Deve corvéias, carretos, trabalho manual, cortes de árvores quando para isso receber ordens, 3 galinhas e 15 ovos [...]5

(Polyptyque de l’abbé d’Irminon apud PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p.105-106; séc. IX)

Ao nosso muito querido amigo, o glorioso conde Hatton, Eginhardo, saudação eterna no Senhor.
Um dos vossos servos, de nome Huno, veio à Igreja dos santos mártires Marcelino e Pedro pedir mercê pela falta que cometeu contraindo casamento, sem o vosso consentimento, com uma mulher de sua condição que é também vossa escrava. Vimos, pois, solicitar a vossa bondade para que em nosso favor useis de indulgência em relação a este homem, se julgais que a sua falta pode ser perdoada. Desejo-vos boa saúde com a graça do Senhor.

(EGINHARDO apud PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p.108; séc. IX).


As Três Ordens

O povo celeste forma, portanto, vários corpos, e é à sua imagem que se encontra organizado o povo da terra.[...] A ordem de nossa Igreja é chamada de Reino dos Céus. O próprio Deus nela estabeleceu ministros sem mácula, e é a nova lei que aí se observa sob o reino do Cristo. [...] Ora, para que o Estado goze da paz tranqüila da Igreja, é necessário submetê-lo a duas leis diferentes [...] Uma é a lei divina: não faz nenhuma diferença entre os seus ministros; segundo ela, são todos da mesa condição, por mais diferenças que se estabeleçam entre eles pelo nascimento ou pela posição: o filho de um artesão não é aí inferior ao herdeiro de um rei. A estes, esta lei clemente interdita qualquer vil ocupação mundana. [...] a menos que sejam expulsos pelos seus próprios crimes, estes ministros devem ir sentar-se nos primeiros lugares nos céus. [...]
A sociedade dos fiéis forma um só corpo, mas o Estado compreende três. Porque a outra lei, a lei humana, distingue duas outras classes: com efeito, nobres e servos não são regidos pelo mesmo estatuto. Duas personagens ocupam o primeiro lugar: uma é o rei, outra o imperador; é pelo seu governo que vemos assegurada a solidez do Estado. O resto dos nobres tem o privilégio de não suportar o constrangimento de nenhum poder, com a condição de se abster dos crimes reprimidos pela justiça real. São os guerreiros, protetores das igrejas; são os defensores do povo, dos grandes como dos pequenos, enfim, de todos, e asseguram ao mesmo tempo a sua própria segurança. A outra classe é a dos servos: esta raça infeliz apenas possui algo à custa do seu penar. Quem poderia, pelas bolas da tábua de calcular, fazer a conta dos cuidados que absorvem os servos, das suas longas caminhadas, dos seus duros trabalhos? Dinheiro, vestuário, alimentação, os servos fornecem tudo a toda a gente. Nem um só homem livre poderia subsistir sem os seus servos.
A casa de Deus, que acreditam uma, está pois dividida em três: uns oram, outros combatem, outros, enfim, trabalham. Estas três partes que coexistem não suportam ser separadas; os serviços prestados por uma são a condição das obras das outras duas; cada um por sua vez encarrega-se de aliviar o conjunto. Por conseguinte, este triplo conjunto não deixa de ser um; e é assim que a lei pode triunfar, e o mundo gozar da paz.

(ADALBERON DE LAON apud PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p.91; c.1025).

Os defensores são um dos três estados porque Deus quis que se mantivesse o mundo: e assim como aqueles que rogam a Deus pelo povo são chamados de oradores e os que lavram a terra e fazem aquelas coisas que permitem aos homens viver e manter-se, são chamados lavradores, outrossim, os que têm de defender a todos são chamados defensores. Portanto, os antigos houveram por bem que os homens que fazem tais obras fossem muito escolhidos porque para defender são necessárias três coisas: esforço, honra e poderio.

(AFONSO X, O SÁBIO, Las Siete Partidas, II.21 apud PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p.99-100).


Cavalaria

Não é bastante para a grande honra que pertence ao cavaleiro a sua escolha, o cavalo, as armas e o senhorio, mas é mister que tenha escudeiro e troteiro que o sirvam e cuidem dos seus cavalos; e que as gentes lavrem, cavem e arranquem a maleza da terra, para que dê frutos de que vivam o cavaleiro e os seus brutos; e que ele ande a cavalo, trate-se como senhor e viva comodamente daquelas coisas em que os seus homens passam trabalhos e incomodidades. [...]
Ofício de cavaleiro é manter e defender o seu senhor terreal, pois nem rei, nem príncipe, nem alto barão poderão, sem ajuda, manter a justiça entre seus vassalos. Por isto, se o povo ou algum homem se opõe aos mandamentos do rei ou príncipe, devem os cavaleiros ajudar o seu senhor, que, por si só, é um homem como os demais. E assim, é mau cavaleiro aquele que mais ajuda o povo do que o seu senhor, ou que quer fazer-se dono e tirar os estados do seu senhor, não cumprindo com o ofício pelo qual é chamado cavaleiro. [...]
Ofício de Cavalaria é guardar a terra, pois por temor dos cavaleiros não se atrevem as gentes a destruí-la nem os reis e príncipes a invadir uns as dos outros.

Do modo como o escudeiro deve receber a cavalaria.
1 – Primeiramente o escudeiro, antes de entrar na Ordem da Cavalaria, deve confessar-se das faltas que cometeu contra Deus [...]

2 – Para armar um cavaleiro convém destinar-se uma festa das que de preceito se celebram durante o ano [...]

3 – Deve o escudeiro jejuar na vigília da festa [...] E na noite antecedente ao dia em que há de ser armado, deve ir à igreja velar, estar em oração e contemplação e ouvir palavras de Deus e da Ordem da Cavalaria [...]

4 – No dia da função convém que se cante missa solenemente [...]

9 – Quando o sacerdote tenha feito o que toca ao seu ofício, convém então que o príncipe ou alto barão que quer fazer cavaleiro o escudeiro que pede cavalaria tenha em si mesmo a virtude e ordem da Cavalaria para com a graça de Deus poder dar virtude e ordem da Cavalariaao escudeiro que quer receber.

11 – Deve o escudeiro ajoelhar-se diante do altar e levantar a Deus os seus olhos corporais e espirituais e as suas mãos. E então o cavaleiro lhe cingirá a espada, no que se significa a castidade e a justiça. Deve dar-lhe um beijo em significação da caridade e dar-lhe uma bofetada para que se lembre do que promete, do grande cargo a que se obriga e da grande honra que recebe pela Ordem da Cavalaria.

12 – Depois de o cavaleiro espiritual e o terreal ter cumprido o seu ofício armando o novo cavaleiro, deve este montar a cavalo e manifestar-se assim à gente, para que todos saibam que é cavaleiro e obrigado a manter e defender a honra da Cavalaria.

13 – Naquele dia se deve fazer garnde festim,com convites, torneiros e as demais coisas correspondentes à festa da Cavalaria.

(RAIMUNDO LÚLIO, Livro da Ordem da Cavalaria apud PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p.100-102; século XIII).

REFERÊNCIAS DAS FONTES PRIMÁRIAS

GANSHOF, F.-L. Que é o feudalismo? 4.ed. Tradução de Jorge Borges de Macedo. Lisboa: Europa-América, 1976.
PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria G. História da Idade Média : textos e testemunhas. São Paulo: HUCITEC, 2000.

1 Nesse texto o requerente (Cunz) é o filho do falecido Morhad.
2 Maravedis: moeda castelhana.
3 Afonso X, o Sábio, rei de Castela (1252-1284).
4 Foram introduzidas modificações no texto, de modo a adequá-lo ao português do Brasil.
5 Bunuarium: medida de superfície - ¼ acre; modio: medida de capacidade (Portugal, 18-26l); vara: c. 1,6 acre.

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