UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
HISTÓRIA MEDIEVAL
Prof. Edmar Checon de Freitas
FEUDALISMO
Homenagem, juramento e investidura.
E aí veio então Tassilon, duque da Baviera, recomendando-se em
vassalagem pelas mãos; prestou numerosos juramentos, inumeráveis,
pondo a mão sobre as relíquias dos santos, e prometeu fidelidade ao
rei Pepino e a seus filhos já referidos, Senhores Carlos e
Carlomano, tal como um vassalo de espírito reto e dedicação firme,
por direito, deve ser para com os seus senhores.
(Annales Regni Francorum, apud GANSHOF, 1976, p.46; texto de
757).
Em primeiro lugar, prestaram homenagem da maneira seguinte: o conde
perguntou ao futuro vassalo se queria tornar-se seu homem, sem
reserva, e este respondeu: “quero”; depois, estando as suas mãos
apertadas pelas do conde, aliaram-se por um beijo. Em segundo lugar,
aquele que havia prestado homenagem fez compromisso da sua fidelidade
ao porta-voz do conde, nestes termos: “Prometo, pela minha fé,
ser, a partir deste instante, fiel ao conde Guilherme e guardar-lhe,
contra todos e inteiramente, a minha homenagem, de boa-fé e sem
dolo”; em terceiro lugar jurou o mesmo sobre as relíquias dos
santos [...] em seguida, com a vara que tinha na mão, o conde deu
investidura a todos aqueles que acabavam de lhe prestar homenagem, de
lhe prometer fidelidade e também de lhe prestar juramento
(GALBERT DE BRUGES apud GANSHOF, 1976, p.98 e 167; texto de 1127).
[...] ele [Cunz Fafe de Griffenstein] requereu a investidura de um
feudo do senhor Eginon, conde de Eppan, a efetuar por este em seu
favor, feudo esse que o falecido senhor Morhad tinha recebido do
senhor Eginon e, antes dele, do senhor Ulric, e estendeu-lhe as mãos,
declarando-se pronto a prestar-lhe homenagem.
(LORSCH; SCHROEDER; PERELS apud GANSHOF, 1976,
p.181; texto de 1237).1
O que é feudo,onde tomou esse nome e quais são suas
características.
Feudo é o benefício dado pelo senhor a algum homem porque se tornou
seu vassalo e lhe fez homenagem de ser-lhe leal, tomou este nome da
fé que deve o vassalo guardar ao senhor. São duas as formas de
feudo: uma é a outorga, uma vila, ou castelo, ou outra coisa que se
constitua um bem de raiz e este feudo não pode ser tomado do vassalo
a não ser se falecer o senhor com o qual tratou ou se fizer algum
erro pelo qual o deva perder [...]. Outra maneira é o chamado feudo
de câmara: este se faz quando o rei doa maravedis a algum
vassalo seu, todo ano em sua câmara, e este feudo tal pode o rei
cancelar quando quiser.2
(Afonso X, o Sábio, Las Siete Partidas, IV.26.1 apud
PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p.97-98; séc.XIII)3
De que maneira se deve dar e receber o feudo.
Podem os senhores outorgar e dar o feudo aos vassalos desta maneira:
ficando o vassalo de joelhos ante o senhor, deve colocar suas mãos
entre as do senhor e prometer-lhe, jurando e fazendo pleito e
homenagem que será sempre leal e verdadeiro e que dará bom conselho
a cada um que o zelo ordenar e que não contará seus segredos e que
ajudará contra todos os homens do mundo a seu poder e que evitará
seu dano e guardará e cumprirá todas as posturas que com ele
contratou por conta daquele feudo. E depois que o vassalo houver
jurado e prometido todas essas coisas, o senhor deve investi-lo com
um anel, ou com luva, ou com vara, ou com outra coisa daquele que dá
ou colocar-lhe a possessão dele por si ou por homem certo a quem o
mandasse fazer.
(Afonso X, o Sábio, Las Siete Partidas, IV.26.4 apud
PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p.97.)
Os deveres do senhor e do vassalo
Uma vez que Deus e Bernardo, teu pai, te escolheram para servires
Carlos [o Calvo], a quem tens por senhor, na flor da tua juventude,
sustenta o que é da tua raça, ilustre pelos dois ramos. Não sirvas
de maneira a agradar somente pela vista ao teu senhor, mas
conserva-lhe, em tudo, com todo o senso, uma fidelidade intacta e
certa de corpo e espírito [...] É por isso, meu filho, que eu te
exorto a que mantenhas fielmente de corpo e alma, durante toda a tua
vida, aquilo cujo encargo tens [...] Que nunca possas ser acusado da
loucura da infidelidade; que nunca o mal crie raízes no teu coração
a ponto de te tornares infiel ao teu senhor, seja no que for. [...]
Portanto, que tu, meu filho Gulherme, [...] sejas para com o teu
senhor, como te disse, sincero, vigilante, útil e o mais pronto ao
seu serviço; [...].
(Manual de Dhuoda, apud GANSHOF, 1976, p.53; texto de 843).
Aquele que jura fidelidade ao seu senhor deve ter sempre presente na
memória estas seis palavras: incólume, seguro, honesto, útil,
fácil e possível. Incólume, na medida em que não deve causar
prejuízos corpóreos ao seu senhor; seguro, para que não traia os
seus segredos ou as armas pelas quais ele se possa manter em
segurança; honesto, para que não enfraqueça os seus direitos de
justiça ou de outras matérias que pertençam a sua honra; útil,
para que não cause prejuízo às suas possessões; fácil ou
possível, visto que não deverá tornar difícil ao seu senhor o bem
que ele poderia fazer, nem tornar impossível o que para ele seria
possível.
Todavia, se é justo que o [vassalo] fiel evite estas injúrias, não
será por isso só que merece benefício; porque não é suficiente
abster-se do mal, a menos que faça também o que é bom. Portanto,
deverá em adição conceder fielmente conselho e ajuda ao seu senhor
nas seis coisas acima mencionadas, se deseja ser considerado
merecedor do seu benefício e digno de confiança na fidelidade que
jurou.
O senhor deve também retribuir da mesma maneira todas estas coisas
ao seu fiel. Se o não fizer, será com razão acusado de má fé,
exatamente como seria [considerado] pérfido e perjuro [o vassalo]
apanhado a fazer ou consentir tais prevaricações.
(GUILHERME DE CHARTRES, Carta a Guilherme V, Duque da Aquitânia
apud PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p.94-95; texto de 1020).
É permitido a qualquer, sem punição, auxiliar o seu senhor, se
alguém o ataca, e obedecer-lhe em todos os casos legítimos, exceto
no roubo, no assassinato e naquelas coisas que não são consentidas
a ninguém, sendo reconhecidas como infames pelas leis.
O senhor deve proceder da mesma maneira com o conselho e a ajuda; e
deve ir em auxílio do seu homem em todas as vicissitudes, sem
malícia.
É permitido a todo senhor convocar o seu homem, que deve estar à
sua direita no tribunal; [...]
Se um homem está ligado a vários senhores e honras, não obstante o
muito que depende dos outros, deve mais e estará sujeito à justiça
daquele de quem é o homem lígio.
(Legislação de Henrique I, Inglaterra, apud PEDRERO-SANCHEZ,
2000, p.95; século XI).
Os trabalhadores
Ao magnífico senhor ........ , eu ........ Dado que é inteiramente
conhecido de todos que eu não tenho com que me sustentar nem com
que me vestir, solicitei à vossa piedade — e a vossa piedade
concedeu-mo — poder entregar-me ou recomendar-me na vossa
maimbour; o que fiz: pelo que, deste modo, devereis vós
ajudar-me e auxiliar-me tanto quanto ao sustento como quanto ao
vestir, na medida em que eu puder servir-vos e merecer-vos. E
enquanto eu viver vos deverei servir e respeitar como o pode fazer um
homem livre e em todo o tempo em que viver não terei poder para me
subtrair ao vosso poder ou maimbour; mas, pelo contrário,
deverei ficar todos os dias da minha vida sob o vosso poder ou
proteção. Em conseqüência destes fatos, ficou convencionado que,
se um de nós quisesse subtrair-se a estas convenções, seria
obrigado a pagar a seu co-contratante a quantia ...... em soldos,
ficando em vigor a convenção. Pelo que pareceu bom que as partes
fizessem redigir e confirmar dois diplomas do mesmo teor; o que
fizeram.
(Formulae Turonenses, n.43, apud GANSHOF, 1976, p.19; texto do
séc. VIII).4
Eu, Berterio, coloquei a corda em meu pescoço e me entreguei sob o
poder de Alariado e de sua esposa Ermengarda para que desde este dia
façais de mim e de minha descendência o que quiserdes, os vossos
herdeiros o mesmo que vós, podendo guardar-me, vender-me, dar-me a
outros ou manumitir-me, e se eu quiser subtrair-me a vosso serviço
podeis deter-me vós mesmos ou vossos enviados, do mesmo modo como o
faríeis com vossos restantes escravos originais.
(Recueil des chartes de l’abbey de Cluny apud
PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p.105 ; séc.X)
Walafredus, um colonus e mordomo, e a sua mullher, uma colona
[...] homens de St. Germain, têm 2 filhos [...] Ele detém 2 mansos
livres com 7 bunuaria de terra arável, 6 acres de vinha e 4
de prados. Deve por cada manso uma vaca num ano, um porco no
seguinte, 4 denários pelo direito de utilizar a madeira, 2 modios
de vinho pelo direito de usar as pastagens e uma ovelha e um
cordeiro. Ele lavra 4 varas para um cereal de Inverno e 2 varas para
um cereal de Primavera. Deve corvéias, carretos, trabalho manual,
cortes de árvores quando para isso receber ordens, 3 galinhas e 15
ovos [...]5
(Polyptyque de l’abbé d’Irminon apud PEDRERO-SÁNCHEZ,
2000, p.105-106; séc. IX)
Ao nosso muito querido amigo, o glorioso conde Hatton, Eginhardo,
saudação eterna no Senhor.
Um dos vossos servos, de nome Huno, veio à Igreja dos santos
mártires Marcelino e Pedro pedir mercê pela falta que cometeu
contraindo casamento, sem o vosso consentimento, com uma mulher de
sua condição que é também vossa escrava. Vimos, pois, solicitar a
vossa bondade para que em nosso favor useis de indulgência em
relação a este homem, se julgais que a sua falta pode ser perdoada.
Desejo-vos boa saúde com a graça do Senhor.
(EGINHARDO apud PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p.108; séc. IX).
As Três Ordens
O povo celeste forma, portanto, vários corpos, e é à sua imagem
que se encontra organizado o povo da terra.[...] A ordem de nossa
Igreja é chamada de Reino dos Céus. O próprio Deus nela
estabeleceu ministros sem mácula, e é a nova lei que aí se observa
sob o reino do Cristo. [...] Ora, para que o Estado goze da paz
tranqüila da Igreja, é necessário submetê-lo a duas leis
diferentes [...] Uma é a lei divina: não faz nenhuma diferença
entre os seus ministros; segundo ela, são todos da mesa condição,
por mais diferenças que se estabeleçam entre eles pelo nascimento
ou pela posição: o filho de um artesão não é aí inferior ao
herdeiro de um rei. A estes, esta lei clemente interdita qualquer vil
ocupação mundana. [...] a menos que sejam expulsos pelos seus
próprios crimes, estes ministros devem ir sentar-se nos primeiros
lugares nos céus. [...]
A sociedade dos fiéis forma um só corpo, mas o Estado compreende
três. Porque a outra lei, a lei humana, distingue duas outras
classes: com efeito, nobres e servos não são regidos pelo mesmo
estatuto. Duas personagens ocupam o primeiro lugar: uma é o rei,
outra o imperador; é pelo seu governo que vemos assegurada a solidez
do Estado. O resto dos nobres tem o privilégio de não suportar o
constrangimento de nenhum poder, com a condição de se abster dos
crimes reprimidos pela justiça real. São os guerreiros, protetores
das igrejas; são os defensores do povo, dos grandes como dos
pequenos, enfim, de todos, e asseguram ao mesmo tempo a sua própria
segurança. A outra classe é a dos servos: esta raça infeliz apenas
possui algo à custa do seu penar. Quem poderia, pelas bolas da tábua
de calcular, fazer a conta dos cuidados que absorvem os servos, das
suas longas caminhadas, dos seus duros trabalhos? Dinheiro,
vestuário, alimentação, os servos fornecem tudo a toda a gente.
Nem um só homem livre poderia subsistir sem os seus servos.
A casa de Deus, que acreditam uma, está pois dividida em três: uns
oram, outros combatem, outros, enfim, trabalham. Estas três partes
que coexistem não suportam ser separadas; os serviços prestados por
uma são a condição das obras das outras duas; cada um por sua vez
encarrega-se de aliviar o conjunto. Por conseguinte, este triplo
conjunto não deixa de ser um; e é assim que a lei pode triunfar, e
o mundo gozar da paz.
(ADALBERON DE LAON apud PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p.91; c.1025).
Os defensores são um dos três estados porque Deus quis que se
mantivesse o mundo: e assim como aqueles que rogam a Deus pelo povo
são chamados de oradores e os que lavram a terra e fazem aquelas
coisas que permitem aos homens viver e manter-se, são chamados
lavradores, outrossim, os que têm de defender a todos são chamados
defensores. Portanto, os antigos houveram por bem que os homens que
fazem tais obras fossem muito escolhidos porque para defender são
necessárias três coisas: esforço, honra e poderio.
(AFONSO X, O SÁBIO, Las Siete Partidas, II.21 apud
PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p.99-100).
Cavalaria
Não é bastante para a grande honra que pertence ao cavaleiro a sua
escolha, o cavalo, as armas e o senhorio, mas é mister que tenha
escudeiro e troteiro que o sirvam e cuidem dos seus cavalos; e que as
gentes lavrem, cavem e arranquem a maleza da terra, para que dê
frutos de que vivam o cavaleiro e os seus brutos; e que ele ande a
cavalo, trate-se como senhor e viva comodamente daquelas coisas em
que os seus homens passam trabalhos e incomodidades. [...]
Ofício de cavaleiro é manter e defender o seu senhor terreal, pois
nem rei, nem príncipe, nem alto barão poderão, sem ajuda, manter a
justiça entre seus vassalos. Por isto, se o povo ou algum homem se
opõe aos mandamentos do rei ou príncipe, devem os cavaleiros ajudar
o seu senhor, que, por si só, é um homem como os demais. E assim, é
mau cavaleiro aquele que mais ajuda o povo do que o seu senhor, ou
que quer fazer-se dono e tirar os estados do seu senhor, não
cumprindo com o ofício pelo qual é chamado cavaleiro. [...]
Ofício de Cavalaria é guardar a terra, pois por temor dos
cavaleiros não se atrevem as gentes a destruí-la nem os reis e
príncipes a invadir uns as dos outros.
Do modo como o escudeiro deve receber a cavalaria.
1 – Primeiramente o escudeiro, antes de entrar na Ordem da
Cavalaria, deve confessar-se das faltas que cometeu contra Deus [...]
2 – Para armar um cavaleiro convém destinar-se uma festa das que
de preceito se celebram durante o ano [...]
3 – Deve o escudeiro jejuar na vigília da festa [...] E na noite
antecedente ao dia em que há de ser armado, deve ir à igreja velar,
estar em oração e contemplação e ouvir palavras de Deus e da
Ordem da Cavalaria [...]
4 – No dia da função convém que se cante missa solenemente [...]
9 – Quando o sacerdote tenha feito o que toca ao seu ofício,
convém então que o príncipe ou alto barão que quer fazer
cavaleiro o escudeiro que pede cavalaria tenha em si mesmo a virtude
e ordem da Cavalaria para com a graça de Deus poder dar virtude e
ordem da Cavalariaao escudeiro que quer receber.
11 – Deve o escudeiro ajoelhar-se diante do altar e levantar a Deus
os seus olhos corporais e espirituais e as suas mãos. E então o
cavaleiro lhe cingirá a espada, no que se significa a castidade e a
justiça. Deve dar-lhe um beijo em significação da caridade e
dar-lhe uma bofetada para que se lembre do que promete, do grande
cargo a que se obriga e da grande honra que recebe pela Ordem da
Cavalaria.
12 – Depois de o cavaleiro espiritual e o terreal ter cumprido o
seu ofício armando o novo cavaleiro, deve este montar a cavalo e
manifestar-se assim à gente, para que todos saibam que é cavaleiro
e obrigado a manter e defender a honra da Cavalaria.
13 – Naquele dia se deve fazer garnde festim,com convites,
torneiros e as demais coisas correspondentes à festa da Cavalaria.
(RAIMUNDO LÚLIO, Livro da Ordem da Cavalaria apud
PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p.100-102; século XIII).
REFERÊNCIAS DAS FONTES PRIMÁRIAS
GANSHOF, F.-L. Que é o feudalismo? 4.ed. Tradução de Jorge
Borges de Macedo. Lisboa: Europa-América, 1976.
PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria G. História da Idade Média : textos
e testemunhas. São Paulo: HUCITEC, 2000.
1
Nesse texto o requerente (Cunz) é o filho do falecido Morhad.
2
Maravedis: moeda castelhana.
3
Afonso X, o Sábio, rei de Castela (1252-1284).
4
Foram introduzidas modificações no texto, de modo a adequá-lo ao
português do Brasil.
5
Bunuarium: medida de superfície - ¼ acre; modio:
medida de capacidade (Portugal, 18-26l); vara: c. 1,6 acre.
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